“A
vida é uma tremenda bebedeira.
Eu nunca tiro dela outra impressão.
Passo nas ruas, tenho a sensação
De um carnaval cheio de cor e poeira…
Eu nunca tiro dela outra impressão.
Passo nas ruas, tenho a sensação
De um carnaval cheio de cor e poeira…
A cada hora
tenho a dolorosa
Sensação, agradável todavia,
De ir aos encontrões atrás da alegria
Duma plebe farsante e copiosa…
Sensação, agradável todavia,
De ir aos encontrões atrás da alegria
Duma plebe farsante e copiosa…
Cada momento é
um carnaval imenso,
Em que ando misturado sem querer.
Se penso nisso maça-me viver
E eu, que amo a intensidade, acho isto intenso
Em que ando misturado sem querer.
Se penso nisso maça-me viver
E eu, que amo a intensidade, acho isto intenso
De mais…
Balbúrdia que entra pela cabeça
Dentro a quem quer parar um só momento
Em ver onde é que tem o pensamento
Antes que o ser e a lucidez lhe esqueça…
Dentro a quem quer parar um só momento
Em ver onde é que tem o pensamento
Antes que o ser e a lucidez lhe esqueça…
Automóveis,
veículos,
As ruas cheias,
Fitas de cinema correndo sempre
E nunca tendo um sentido preciso.
As ruas cheias,
Fitas de cinema correndo sempre
E nunca tendo um sentido preciso.
Julgo-me bêbado,
sinto-me confuso,
Cambaleio nas minhas sensações,
Sinto uma súbita falta de corrimões
No pleno dia da cidade…
Cambaleio nas minhas sensações,
Sinto uma súbita falta de corrimões
No pleno dia da cidade…
Uma pândega esta
existência toda…
Que embrulhada se mete por mim dentro
E sempre em mim desloca o crente centro
Do meu psiquismo, que anda sempre à roda…
Que embrulhada se mete por mim dentro
E sempre em mim desloca o crente centro
Do meu psiquismo, que anda sempre à roda…
E contudo eu
estou como ninguém
De amoroso acordo com isto tudo…
Não encontro em mim, quando me estudo,
Diferença entre mim e isto que tem
De amoroso acordo com isto tudo…
Não encontro em mim, quando me estudo,
Diferença entre mim e isto que tem
Esta balbúrdia
de carnaval tolo,
Esta mistura de europeu e zulu
Este batuque tremendo e chulo
E elegantemente em desconsolo…”
Esta mistura de europeu e zulu
Este batuque tremendo e chulo
E elegantemente em desconsolo…”
ÁLVARO DE CAMPOS
https://acasadevidro.com/2015/03/08/carnaval-um-poema-de-alvaro-de-campos-heteronimo-de-fernando-pessoa/
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